“Estamos
suficientemente conscientes para sermos dilacerados pelos conflitos da vida.
Mas ainda não suficientemente conscientes para sentir a unidade fundamental da
vida.”
Robert Johnson.
Esse texto é sobre o que ensina a vida à arte e a arte à vida e como
me inspiro nelas para viver e trabalhar com a Psicoterapia Profunda, a Terapia
na Caixa de Areia e a Biodanza.
Nos últimos meses vinha me sentindo desconfortável com algumas
situações e algo na minha conduta diante de tais circunstâncias também parecia
fora de quadro, o que só agravava o desconforto. Muitas notícias difíceis sobre
familiares, todas envolvendo ora doença, ora morte, fazia pairar sobre mim a
sombra da vida e da inconsciência, como uma nuvem negra a me perseguir.
Uma compreensão que sempre me
fora natural e que com o passar do tempo ganhara contornos cognitivos, é a de
que somos responsáveis por aquilo que vivemos, sentimos e criamos, desde uma
visão de mundo até uma doença. Também sempre me fora particular a atitude de
não tentar convencer ninguém daquilo que acredito, tampouco de impor ao outro
um caminho. Mas quando a vida começou a passar a fatura sobre a forma de doença
para a minha família, minhas atitudes careceram da conhecida serenidade.
Experimentava, agora, a emoção
dos que desejam mostrar ao outro aquilo que aprenderam e acreditam, na
tentativa de ampliar-lhes a visão sobre a responsabilidade e consciência sobre
a vida.
Dentre as muitas situações
vividas e minhas muitas novas opiniões sobre tudo, lhes conto sobre a minha
indignação prévia contra a não revelação do estado de saúde de uma pessoa para
ela mesma, que é grave e terminal. Sob argumentos amorosos, os que cuidam e
convivem com ela, não concedem a oportunidade de ela experimentar sua despedida
da vida! Assim leu e julgou quem quer ter plena consciência de sua própria partida.
Senti que testemunhava a perda de um belo momento.
Quando a aquarela da saudade
pinta, os cenários cotidianos ganham molduras de um amarelo ouro envelhecido e o
dia ou noite parecem ter sempre a luz das seis horas da tarde. A verdade
revelada no lusco-fusco de quem parte pode valer por uma vida inteira, calei
por dentro esse breve divagar. E bravejei contra os que agem em nome do bem,
sem saber que ao preservar o outro da dor, retiram dele a responsabilidade
sobre a própria existência.
A despeito, contudo, desses meus
recentes posicionamentos, algo dentro de mim descarrilhou depois de ter tido
esse e tantos outros julgamentos na esteira da mesma linha de produção
‘doença-morte-dor-família’. Resolvi ouvir o outro lado.
Surpreendi-me então ao ouvir
sincero ato de amor de quem cuida. No meio dessa doença surpresa, ainda se
desdobravam para auxiliá-la a realizar um desejo, mudar-se de casa. Feliz com a
expectativa, ela encaixota seus objetos, faz as malas e sonha com a nova
morada. Parei por um momento a pressentir a jogada da vida. Aos poucos, sem que
eu percebesse de imediato, apaziguava-me e percebia novamente meus líquidos
interiores.
Ainda na mesma semana, assisti a
um programa na TV sobre a literatura de Wolf Erlbruch, um premiado ilustrador e
autor alemão de livros infantis. Na entrevista, a jornalista perguntara de onde
ele tirava tanta imaginação, uma vez que seus temas eram muito diferentes. Da
vida mesmo, contestou. E contou a origem do seu livro ‘Leonardo’: seu filho
quando pequeno gostava muito de cachorros, mas depois de se assustar com um dos
grandes roubando inesperadamente um biscoito de sua mão, a relação entre eles
ficara difícil. Então a criança resolveu compensar essa história se tornando um
deles. “Quando se é um cachorro não se precisa mais ter medo de cachorro”
compreendeu Erlbruch. Ele passou os quatro primeiros anos de vida sendo um
cachorro, quase o tempo todo de quatro. A família, num gesto que só almas
poéticas podem alcançar, apesar do embaraço, resolveu entrar na onda daquela
imaginação, servindo o ‘filho de estimação’ debaixo da mesa quando iam aos
restaurantes! Até que um belo dia, puf, se desfizeram a metamorfose e seu medo
de cachorros.
Essa história trouxe minha alma
de volta do difícil mundo dos julgamentos, a que o conflito com minha sombra a
conduziu, e a recolocou no seu mundo preferido, o da arte! Sem juízos, sem enquadramento,
a vida flui para a cura por ela mesma.
Em todos há uma consciência
maior, que a despeito da razão, acha os caminhos. Segundo a psicologia
analítica de Jung a psique é constituída pelo consciente e pelo inconsciente e
pela interação entre eles. Chamamos de Self o centro e a totalidade da
personalidade (consciente e inconsciente) da qual o ego, centro apenas da
consciência, se desenvolve. A autonomia do ego é por isso limitada, já que suas
raízes estão no Self, o organizador da psique. Na terapia da Caixa de Areia,
técnica desenvolvida por Dora Kalff, baseada em grande parte nas teorias de
Jung e Neumann, o Self é convidado a recuperar seu lugar como personagem principal
no desenvolvimento da psique sem direcionamento externo, atitude comum no
primado do intelecto. Evidencia-se na terapia da Caixa de Areia a diferença
entre cura psicológica e expansão da consciência. Enquanto a primeira restaura
a capacidade de funcionar normalmente, a última está relacionada em saber o que
se está sentindo, pensando e agindo e com base nisso, fazer escolhas. Uma
consciência ampliada não garante a cura. Já a cura psicológica, um fenômeno
emocional, cria condições para que o insight e a consciência se desenvolvam
naturalmente.
Como base em abordagens corporais,
pode-se dizer que foi utilizada a inteligência do corpo: “O conhecimento
efetivado pelo corpo é de extrema sutileza e demanda a mobilização do corpo
subjetivo por inteiro, que opera aqui como por apalpação do mundo” (Dejours,
2012). É a inteligência de Métis, deusa grega da astúcia, que inspira os
organismos vivos a se confundirem com a natureza por mimetismo para se defender
ou para capturar sua presa. Essa inteligência corporal é recuperada em
Biodanza, no resgate da conexão com as funções básicas da vida. A Biodanza
reconecta o homem com sua natureza instintiva devolvendo-lhe a capacidade de
autorregulação e cura.
Leonardo Boff num documentário em
que fala de Jung e Espiritualidade conta que uma vez ele perguntara a Franz,
filho de Jung, porque eles não viraram psicanalistas como o pai, ao que ele
respondeu: “nosso pai disse que nós não precisávamos, porque os problemas que
nós tínhamos podiam ser curados pela própria vida, porque normalmente a vida
cura a vida e quando a vida não consegue curar-se a si mesma, você se socorre
do analista que te ajuda a encontrar a sua vida e o caminho da sua vida”.
E assim muitas vezes crianças nem
senhoras precisam de analistas ou de alguém a lhes acusar demência ou
inconsciência, elas viram cachorros e preparam a mudança de lar. É a
inteligência instintiva cuidadosamente as conduzir dia a dia, vida a vida. Estejamos
atentos à vida para não ofendê-la em sua astúcia e criatividade! O caminho à
consciência é o destino humano e vem naturalmente em consequência da cura
psicológica.
Referências bibliográficas:
DEJOURS, Christophe. Trabalho
Vivo. Sexualidade e Trabalho. Paralelo 15, 2012.
JOHNSON, Robert A. A Chave do Reino Interior. São Paulo: Mercuryo, 1989.
WEINRIB, Estelle L. Imagens do
Self. O processo terapêutico na caixa-de-areia. São Paulo: Summus, 1993.
http://globotv.globo.com/globo-news/globonews-literatura/v/globonews-literatura-mostra-a-literatura-infanfill-do-alemao-wolf-erlbruch/2636027/
acessado em 18 de julho de 2013.